Psicanálise e Literatura: um encontro possível?
- Circular Psicanálise

- 22 de jul.
- 2 min de leitura
Por: Lucas Nogueira
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Em psicanálise, costumamos dizer que são as palavras a grande aliada no andamento de um tratamento, bem como a linguagem é o grande objeto de trabalho da teoria lacaniana. Mas na literatura, temos também a linguagem como objeto de estudo. Desse modo, poderíamos dizer que a psicanálise e a literatura, ambas amantes das palavras, se aproximam de alguma maneira?
A princípio, é importante destacar que para Lacan (2008) o inconsciente é estruturado como uma linguagem, o que significa que ele se manifesta na própria língua falada do sujeito, como algo que se enuncia mesmo à revelia do falante. O inconsciente se organiza e estrutura-se por determinantes simbólicos que nos antecedem e nos modelam, como por exemplo, o nome próprio que recebemos, lugar que temos na família, pela cultura que estamos inseridos etc.
No entanto, a palavra dita ou escrita, para além do uso na comunicação humana, são formas de manifestação das subjetividades e um meio de expressão dos afetos e emoções. As palavras, assim, são ferramentas valiosas para construirmos soluções perante o real da vida, onde nos oferece um lugar para acomodar o que o corpo sente e carrega.
Quando vamos até o psicanalista, nos servimos das palavras para encontrar a origem das nossas questões, ainda que não esteja nas palavras propriamente a razão do sofrimento, mas naquilo que as palavras escondem. Uma citação de Clarice Lispector em A legião estrangeira ilustra bem o que acabei de dizer: “Já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas”.
De uma forma semelhante, enquanto leitores, nunca conseguimos extrair uma verdade absoluta de uma escrita literária, seja um romance ou poema, pois o que o/a autor(a) transmite é sempre uma experiência faltosa, onde muitas vezes o leitor é quem precisa oferecer sentido ao que está lendo. Por isso, digo que a literatura se aproxima da psicanálise, pois o que está em jogo é o indizível, o não-dito que se evidencia nas entrelinhas da escrita ou de um dizer.
Para Vaz e Beatriz (2020) as palavras não dão conta de todas as coisas, então, existe o inacessível, o que não tem palavra ou representação, isso que não para nunca de não se escrever. Segundo a citação da autora, vejo que ela nos dá um testemunho do que é próprio da ordem da vida, ou seja, o acaso, o vazio, a ausência, a não representação, a angústia: o real.

O que há em comum entre a psicanálise e a literatura é o que está entre uma coisa e outra, ou melhor dizendo, é o que se lê ou se escuta nas entrelinhas das palavras e dos textos. Eu gosto de dizer que elas (psicanálise e a literatura) conferem dignidade àquilo que é mais humano, sendo as coisas que (ainda) não tem nome.
Referências
LACAN, Jacques. O inconsciente freudiano e o nosso. In: LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Cap. 2. p. 25-35. Tradução M.D Magno.
LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do autor, 1964.
VAZ, Gilda; BEATRIZ, Regina. Que não se esmaguem com palavras as entrelinhas. Belo Horizonte: Quixote do, 2020.




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