Setembro amarelo, suicídio e a famigerada "saúde mental"
- Circular Psicanálise

- 3 de out.
- 3 min de leitura
Por: Lucas Nogueira
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Todo ano no mês de setembro, vemos diversos lugares com faixadas e informes sobre a campanha “Setembro Amarelo” (Mês de conscientização sobre prevenção ao suicídio e valorização da vida), advertindo as pessoas que é preciso “falar” ou “pedir ajuda” diante de possíveis conflitos ou sofrimento emocional. Acredito que a campanha seja importante mesmo para quem é leigo neste assunto, mas vale considerarmos outras camadas envolvidas.
Quando falamos sobre sofrimento emocional ou questões existenciais, vale lembrar que somos sujeitos inseridos num sistema social, assim, o tema não deve apenas ser tratado no âmbito pessoal, mas sim coletivo. Como cidadãos, dependemos de diversas instâncias e fatores culturais que asseguram minimamente um estado de “saúde mental”, como, por exemplo: acesso à saúde, educação básica, alimentação, moradia, ou seja, tudo aquilo que garanta a princípio dignidade humana as pessoas.
Nosso papel, enquanto psicólogos ou/e psicanalistas, é poder ouvir o contexto social de nossa época, como também compreender o mal-estar contemporâneo que nós estamos inseridos, para podermos oferecer um tratamento que não sucumba a uma lógica de que ter saúde dependa única e exclusivamente da própria pessoa. Não podemos esquecer que antes de qualquer escuta do inconsciente, os pilares sociais precisam estar incluídos em qualquer tratamento de “saúde”.
A subjetividade é produto da cultura e dos contextos sociais e familiares de cada época. Carregamos no corpo e na forma como vivemos no mundo, um tanto do discurso vigente do contemporâneo, por isso, ao tratar de um tema tão delicado como o suicídio ou até mesmo a saúde mental, é preciso ir além das paredes do consultório. Contudo, é preciso saber ler a cultura e as questões sociais que são emergentes e estão implicadas nisso.
No que se refere à psicanálise, além das questões mencionadas acima, como podemos pensar os espaços de escuta ofertados nesse tempo e o que se pode diante de uma tentativa de suicídio?
Vale lembrar que não é qualquer fala e qualquer escuta que promoverá efeitos terapêuticos num quadro de sofrimento psíquico. Os espaços mais adequados a priori são aqueles ofertados por profissionais e especialistas no assunto (psicólogos, psiquiatras, psicanalistas), onde o sujeito possa se sentir acolhido sem julgamentos, sendo o(a) profissional um lugar propício para o endereçamento de sua enfermidade.
Existem diversas formas de expressão do sofrimento humano, mas quando se trata do suicídio, costumamos caracterizá-lo a um estado de profunda vulnerabilidade na qual a morte se torna o único subterfúgio para alguém que se encontra em ‘crise’. Retomemos adiante Lacan, no Seminário, livro 10: A angústia (1962-1963/2005) algumas considerações a respeito da passagem ao ato, que nos fornecerá subsídios para elucidar o ato suicida em questão.
Segundo Lacan (2005), a angústia é um afeto que não é passível de recalque, e desse modo manifesta-se fora da rede significantes, podendo caminhar para formas de acting out ou passagem ao ato. Esse afeto também indica, para o psicanalista francês, um resto inerente da inscrição do sujeito no campo do Outro (dimensão simbólica), sendo o objeto a como aquilo que não pode ser sintetizado (BRUNHARI; DARRIBA, 2014).
No entanto, temos a angústia não somente como algo que sinaliza o mal-estar, mas enquanto um afeto que resta e causa nossa condição estrutural subjetiva, o que nos oferece coordenadas sobre nossa relação com o desejo e a forma na qual nos relacionamos com a vida. Falar sobre nossas angústias é ter a possibilidade de mudar nossa posição frente às coisas que nos adoecem, assim, ao narrarmos nosso sofrimento para um outro, tendemos a evitar uma ação que poderíamos tomar num episódio de extrema angústia.
Com isso, podemos pensar que quando alguém chega de fato a atentar contra si mesmo, nos referimos a este afeto que fica à deriva, não simbolizado, e que pode levar alguém a diversos comportamentos ou atos. Por isso salientamos a importância de tentar nomear o que sentimos, a fim de contornar a angústia para colocá-la a serviço da vida, e não a perpetuar como um sofrimento psíquico onde seu destino seja atacar o próprio corpo e/ou colocar fim a existência.

Referencias
BRUNHARI, Marcos Vinicius; DARRIBA, Vinicius Anciães. O suicídio como questão: melancolia e passagem ao ato. Psicologia Clínica, [S.L.], v. 26, n. 1, p. 197-213, jun. 2014. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-56652014000100013.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Tradução: Vera Ribeiro
SETEMBRO AMARELO, mês de prevenção ao suicídio. Disponivel em: https://www.setembroamarelo.com/. Acesso em: 1 out. 2025.




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