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"Todo ponto de vista é a vista de um ponto".

  • Foto do escritor: Circular Psicanálise
    Circular Psicanálise
  • 7 de dez. de 2024
  • 3 min de leitura

Por: Geovanna Duarte


O que define nossa visão de mundo? Leonardo Boff, filósofo, teólogo, escritor e professor universitário brasileiro, nos oferece uma resposta provocativa em sua obra A Águia e a Galinha: "Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto."


Essa reflexão nos lembra que a interpretação sobre o mundo ao nosso redor não é universal. Ela depende de uma gama de questões entrelaçadas que têm a ver com quem somos e com nossa história pessoal. Isso nos convida a pensar que a forma como percebemos a realidade pode ser profundamente diferente entre pessoas, mesmo que partam de um mesmo fenômeno ou experiência. Trata-se de uma visão que emerge de um ponto particular, situado em nossa subjetividade.


Podemos pensar sobre isso sob a ótica da Psicanálise, explorando conceitos como o de realidade psíquica. Sigmund Freud (1856–1939) já havia elaborado sobre esse conceito, diferenciando-o da realidade material, ou seja, aquela que seria "concreta" ou "factual". A realidade psíquica, por sua vez, é mediada por fantasias, desejos e sentidos subjetivos, indo além dos fatos objetivos:

"[...] a realidade divide-se em uma realidade psíquica e uma realidade material/externa, sendo que a primeira é mais forte ou mais decisiva que a segunda (como sabemos, para que haja análise é preciso que se admita que não são os dados factuais que contam, mas sim a maneira como eles foram vividos e lembrados). Finalmente, admitamos que esta realidade psíquica, que por vezes opõe-se à realidade externa, é constituída por um tecido de fantasias e de desejos" (VIEIRA, p. 3, 2003).

A realidade psíquica, portanto, não é algo dado ou pronto, mas construído ao longo de nossas vivências. Vale lembrar, porém, que a própria realidade material/externa também não está pronta de forma definitiva. Ao mesmo tempo em que nos constituímos a partir dela, também a construímos. Ter acesso a uma realidade “nua e crua”, sem contornos, seria fonte de profunda angústia e desamparo. Segundo Freud, nosso aparelho psíquico trabalha para criar contornos e sentidos, e os primeiros deles são dados por um Outro, aquele que nos cuida ao nascermos. É esse Outro (ou esses Outros) que, por meio da linguagem, forma os primeiros sentidos para nossas necessidades e vivências. Assim, a realidade psíquica não é composta pelos fatos em si, mas pelos sentidos que foram transmitidos a partir deles.




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Isso não significa atribuir ao indivíduo a “responsabilidade” total por sua visão de mundo, como se fosse possível individualizar tudo o que envolve sua experiência. Longe disso. Significa, na verdade, considerar o que há de subjetivo em sua vivência e escutar as múltiplas nuances que a atravessam. Cada sujeito interpreta sua história e opera diante dela com os recursos que possui ou possuiu em determinado momento.


Estamos inseridos em diversos contextos – sociais, históricos, políticos, familiares, entre outros. Individualizar a experiência seria desconsiderar essas dimensões, o que seria um grande equívoco. No entanto, cada sujeito enlaça esses contextos e os lê de forma única. Como Vieira (2003) coloca:

“[...] a singularidade está no roteiro. O que faz de um sujeito um indivíduo singular é a trama de suas histórias. Cada unidade básica de suas histórias já está dada, cada elemento de uma cena já existe no estoque de sentidos da cultura, mas a composição da cena é singular. O lugar do sujeito é vinculado à construção de uma gramática de experiências, de histórias e de fantasias. Certamente nenhuma delas é original, todas já estão disponíveis na cultura, mas encontram-se amarradas de forma singular” (VIEIRA, p. 9, 2003).

Nesse sentido, convido você a refletir sobre como, muitas vezes, nossa visão de mundo se torna rígida e imposta, como se fosse a única possível. Essa rigidez nos impede de considerar outras perspectivas e de acolher a complexidade das experiências alheias. Ao nos fecharmos para os pontos de vista do outro, perdemos a oportunidade de expandir nossa compreensão sobre nós mesmos e sobre a realidade que compartilhamos.


Reconhecer que cada sujeito é atravessado por suas próprias histórias e contextos nos permite uma escuta mais aberta e uma convivência mais rica com as diferenças que nos cercam. Mais do que isso, nos possibilita “visitar” outros pontos de vista. Mesmo que não permaneçamos neles, essa visita nos enriquece, ainda que brevemente, com novas formas de ver e compreender o mundo.



Referências


VIEIRA, M. A. . Da realidade ao real: Jacques Lacan e a realidade psíquica. Pulsional. Revista de Psicanálise (São Paulo), São Paulo, v. 174, p. 56-60, 2003. Dísponível em < https://www.litura.com.br/artigo_repositorio/realidade_psiquica_pdf_1.pdf > Acesso em: 02 dez 2024.

 
 
 

1 comentário


Convidado:
08 de dez. de 2024

Muito fácil de entender ou não cada um tem o seu entender mais idealizar tudo isso é um choque cultural de nos msm

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